quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A condição feminina no Brasil: século XVI

“Oh! se eu pudesse acreditar que fosse possível a
uma mulher (e, se for possível, quero esperá-lo de vós)
manter eternamente a lâmpada e
as chamas de seu amor, e conservar
sua constância sempre íntegra
sempre jovem, fazendo-a sobreviver
à beleza exterior pelo poder
de um pensamento que se
renova mais depressa
do que o sangue se esgota!"
William Shakespeare ,1744


Maria de Fátima Pombo de Barros


RESUMO

Este artigo é uma tentativa de falar sobre a mulher no Brasil, no século XVI, quando as únicas funções das mulheres era casar, cuidar dos maridos e dos inúmeros filhos. Uma dissertação sobre o início da vida destas mulheres desconhecidas e ainda pouco estudadas pela história, numa situação de “invasão” e “conquista”, entre dois grupos étnicos tão diferenciados: os brancos portugueses, navegadores do além mar e as mulheres tanto as índias (dos povos
ameríndios), habitantes do Novo Mundo, quanto as próprias brancas trazidas anos depois como “cargas” de Portugal, para povoar as novas terras conquistadas.

PALAVRAS-CHAVES: Colonia, mulher, igreja, domínio, navegadores.

INTRODUÇÃO

Ao escrever sobre a condição feminina das mulheres no Brasil do século XVI, a primeira impressão, é uma quase ausência do assunto, pouquíssimos documentos como fonte de informação , registros da época sobre tal assunto.
A condição feminina tinha esse estigma: a mulher era quase um ser invisível. Antes da chegada dos primeiros brancos, portugueses, europeus, às terras de Pindorama, já existiam habitantes, que os brancos deram o nome de Índios. Habitantes naturais, suas vidas transcorriam de uma forma que pouco se tem conhecimento do ponto de vista deles mesmos. Tudo que se sabe sobre os índios pré-coloniais se conhece do ponto de vista deste invasor branco. Como diz Freyre em trecho citado pelo historiadorVainfas,em“Homoerotismo
Feminino e o Santo Oficio”,p.115 “mal desembarcaram no Brasil e os lusitanos já tropeçavam na carne.”Continuando com Freyre “E as índias eram as 'negras da terra', nuas e lânguidas, com seus consentimentos, foram as futuras mães de 'Ramalhos' e 'Caramurus', todo um procedimento que desafiava , o rigor e a paciência dos homens da Igreja, os jesuítas.”
Ainda mais uma vez Gilberto Freyre, diz que “as índias foram amantes dos portugueses por razões 'priápicas', ou seja elas tinham uma espécie de culto, de adoração aos pênis.
A história das mulheres, não somente das primeiras mulheres do Novo Mundo, esta mesclada aos dogmas impostos por diferentes credos, religiões, filosofias desde que o homem tomou em suas mãos a directriz consciente de sua própria vida. E o principal elemento utilizado, para estes fins foi o medo. O medo do desconhecido. A mulher com todo um
conjunto de situações físico/biológicas era o verdadeiro poço do “desconhecido”. A forma despótica que o homem inventou e tratou a mulher em diferentes épocas, em diferentes culturas e em todas as civilizações, não poderia deixar de ser diferente nas terras do Novo Mundo. Esse comportamento de repressão se fez presente desde o inicio da colonização das terras de Pindorama.

DESENVOLVIMENTO

Segundo Arno Wehling e Maria José C. M. Wehling no livro Formação do Brasil Colonial, “(...)desde os primeiros anos foi intensa a miscigenação. E a nova realidade étnica da terra gerou problemas antes desconhecidos para a administração pública e a Igreja.”Isso causou no inicio uma dificuldade em organizar as relações sociais, actividade económica , a vida civil destas comunidades a partir da interpretação da cultura e a vida sexual, dado o moralismo
ortodoxo que a igreja inculcou deste o principio nas regiões por onde ela se fazia presente, aonde ela se impunha .Ainda segundo Arno,”(...)A falta de mulheres brancas na colónia parece ter sido geral ate meados do século XVIII”. Isso incomodava sobretudo aos jesuítas, no século XVI, pois isto favorecia que os homens brancos se utilizassem das índias para as suas necessidades fisiológicas. Na carta que Pero Vaz de Caminha escreve ao Rei de Portugal podemos observar esse olhar de cobiça dos brancos portugueses em relação às índias:
“(...)Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres novas,que assim nuas, não pareciam mal...”
Foi a partir deste incomodo que o padre Manoel da Nóbrega escreve cartas para a coroa portuguesa,pedindo “o envio subsidiado de mulheres mesmo de mau proceder”, fazendo com que o governo português patrocinasse a vinda das primeiras mulheres brancas.
“Já que escrevi a Vossa Alteza a faulta que nesta terra há de mulheres, com quantos homens casem e vivam em serviço de nosso Senhor, apartados dos peccados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza muitas orphãs, e si não houver muitas,venham demistura dellas de quaesquer , porque são tão desejadas as mulheres brancas cá que quaesquerfarão cá muito bem à terra, e ellas se ganharão, e os homens de cá aparta-se-âo do peccado" (NOBREGA, Padre Manoel da, 1552 apud Ana Miranda em Desmund, 2003 p. 9)

Com o incomodo que estava claramente causando aos senhores da Igreja o comportamento do homem branco com as índias, essa gritante apelação da vinda das mulheres brancas para as novas terras, também vai remexer no caldeirão cultural da época, lá em Portugal. Importante falar dessas ditas mulheres escolhidas para aqui fazerem o papel
das procriadoras e mantedoras da alvura da pele dos senhores colonizadores. Citando Leila Mezan Algranti no seu texto Família e Vida Domestica, p.136 :”Desde o século XVI, quando, devido à falta de mulheres brancas, os colonos uniam-se em mancebias com as índias, era com as brancas do Reino que se casavam para estabelecer a descendência legítima e ampliar o património familiar”.
Em Portugal existiam confrarias que cuidavam de meninas e adolescentes órfãs e pobres; esses locais de internato existiam para manter as meninas “puras” e dignas de casamentos. Elas aprendiam, a bordar, costurar, etc.
“Estas casas destinavam-se a raparigas órfãs, porque a preocupação com estas meninas era muito grande. As Misericórdias guardavam essas mulheres, fechando-as do mundo e depois colocavam-nas na sociedade já casadas. (ARAUJO, 2008 paragrafo 27). Porém as autoridades olhavam com desconforto para esses conventos e recolhimentos femininos, dada , justamente a escassez de mulheres brancas, “ que reflectiria sobre a população, cujo crescimento era um dos axiomas do mercantilismo”, citação de Arno Wehling .
Por volta de 1552 aproximadamente, começaram a serem enviadas as novas terras, o Brasil, essas mulheres para desposarem os senhores de bem. Elas são enviadas como “cargas”.E essa mulher, branca, passa a ter um importante papel complementar no preenchimento demográfico do novo território. Para Del Priori (1993),”as relações de género serviram para a construção de estereótipos que estavam presentes no dia a dia colonial”. A diferença étnica da
mulher determinou a sua função social no Brasil colonial. Pois, enquanto índias e negras ( séculos seguintes) eram utilizadas como instrumentos de “prazeres ilícitos”, a branca, trazida da metrópole, garantia através da maternidade a alvura da pele, como anteriormente já foi citado.
E assim com a escassez das mulheres brancas, e os relacionamentos entre portugueses e índias de diferentes tribos que habitavam toda a costa litoral da nova terra, começa a base, à matriz, do povo que vai começar a existir neste novo território, que recebeu o nome de Brasil, por causa da sua vasta floresta de árvores com esse nome. Começa a partir deste momento uma desigualdade em todos os aspectos, embalsados pelos preceitos e dogmas cristãos, a
passividade feminina cada vez mais se solidifica. Como diz o historiador Arno Wehling,(...)Pois se esperava um comportamento padrão que foi definido por São Paulo e Santo Agostinho sobre a mulher e o casamento, reafirmados pelo Concilio de Trento no século XVI”; este comportamento reflectiam as concepções de sobriedade e equilíbrio no falar, no vestir,no comer,no beber, e no sexo, sendo a vida sexual restrita à procriação, por causa da inferioridade da mulher, baseada na definição clássica de Aristóteles, na Politica”. Como estava em plena ebulição o absolutismo, e os seus teóricos estavam interessados numa extensa população, a “ordem desejada “ por Deus era o casamento, e fora dele reinava apenas a devassidão e o pecado. E com base na autoridade intelectual aristotélica e de outros autores, assim como o ideal da “mulher virtuosa”, exigida pela Bíblia, a condição subalterna da mulher colonial, é uma herança das tradições cristalizadas desde a antiguidade clássica.
A mulher estava primeiro submetida a autoridade paterna, a figura do pai, com todo o seu despotismo e intolerância, em seguida submetida a autoridade do marido, (sempre criado a semelhança do próprio pai), e por fim ao filho, caso enviuvasse e tivesse um. As mulheres que não casavam (por razões diversas), eram sumariamente confinadas
em conventos, de onde nunca mais sairiam; quase nunca era uma escolha da própria menina, e sim, uma imposição social de ter uma representante da família nas diversas ordens religiosas cristãs. Neste particular seria pertinente comentar a vida sexual dessas reclusas, muitas adeptas do homoerotismo. Em “Homoerotismo feminino e o Santo Oficio”, na Historia das Mulheres do Brasil p.116 Vainfas diz :”(...)Não muito haveria a dizer sobre essas mulheres e
suas experiências no Brasil colonial, se não existissem os papeis do famigerado Tribunal do Santo Oficio, que desde meados do século XVI passou a incluir no seu foro o que chamava de 'abominável e nefando pecado da sodomia'.Falar dos amores femininos é, pois, falar também e muito da própria Inquisição.”
Na vida cotidiana essas mulheres estavam totalmente à frente dos afazeres domésticos, sendo-lhes proibida a saída às ruas desacompanhadas; elas só podiam sair de casa para assistirem à missa e sempre acompanhadas, pelos pais, mais tarde pelo marido e depois pelos filhos.
Como muito bem mostra Leila Mezan Algranti, em Famílias e Vida Domestica, p.122 :” O trabalho manual, por outro lado, sempre foi recomendado às mulheres pelos moralistas e por todos aqueles que se preocuparam com a educação feminina na época moderna, como forma de se evitar a ociosidade e consequentemente os maus pensamentos e acções. Ocupadas com o bastidor e a agulha, esperava-se que se mantivessem entretidas, não havendo ocasião para
agirem contra a honra da família. Almofadas e travesseiros recheados de penas, lã ou lanugem, colchões de palha, capim seco, macela ou chumaço (espécie de pasta de algodão em rama com que se almofada qualquer coisa) eram fabricados em casa e faziam parte dos afazeres manuais das mulheres.”
As praticas de mágica e feitiçaria também estavam muito ligadas as mulheres desta época, sendo que várias foram interrogadas e torturadas pelos senhores da Inquisição. A isso se atribui a ociosidade delas.
As documentações sobre a condição feminina no século XVI, são baseados, em sua grande maioria, nas mulheres consideradas de classe alta, pois ás mulheres pobres, que eram mais expostas as intempéries e maus tratos ,os relatos muito escassos, sendo o seu perfil, hoje levantados por pesquisas em historia social e mesmo assim, ainda estudos embrionários, e as poucas documentações referem-se a casamentos, separações ou comportamentos colectivos
que permitiram revelar o que acontecia com a mulher comum branca , índia, ou mameluca, e mais tarde com a chegada do povo africano em regime de escravidão, certamente a mulher negra. Ela seria livre ou escrava, doméstica, roceira, cozinheira, lavadeira, cartomante, prostituta;se livre, vivia agregada a uma família quase sempre extensa, embora não
necessariamente de senhores de engenho e recebiam pagamento ou presentes por pequenas tarefas. Se escrava, trabalhava para o senhor, ou para quem ele determinasse ; ou ainda no ganho, realizando tarefas cujas remunerações, entregava a seu senhor. As senhoras brancas em vários casos foram acusadas pela Igreja, de que se utilizavam de suas escravas como prostitutas, para ganharem dinheiro. Este padrão hierárquico, patriarcal criou um paradoxo: a mulher de classe alta, reclusa, a mulher pobre ou escrava, um objecto de trabalho e prazer....
Como a mulher estava relegada aos últimos planos da vida social, alguns historiadores dizem que isso contribuiu para que algumas mulheres dedicassem suas vidas a práticas religiosas que saiam do âmbito da Igreja Católica. Mulheres que se dedicavam as praticas de magias, bruxarias e feitiçarias.

CONCLUSÃO

Para concluir, pode-se perceber, que as mulheres hoje, não estão muito longe das desigualdades com que se depararam as mulheres, brancas , índias , negras e todas as outras mestiças que formaram desde o inicio da chamada“colonização brasileira”, a população deste país, Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALGRANTI, Leila Mizan texto “Famílias e Vida Doméstica” em “Historia da vida privada no Brasil”, Companhia das Letras 1998
ARAÚJO, Maria Marta Lobo de , “A assistência às mulheres nas Misericórdias portuguesas – século XVI -XVIII. Nuevo Mundo. Disponível no site:http://nuevomundo.revues.org
CAMINHA, Pero Vaz de, “Carta ao Rei de Portugal” 1500
DEL PRIORE, Mary texto ”Ritos da vida privada” em História da vida privada no Brasil”, Companhia das Letras 1998
NÓBREGA, Padre Manoel da, “Cartas”
SHAKESPEARE, William “Tróillo e Créssida volume I, p.103 Editora Nova Aguilar, 1989
VAINFAS, Ronaldo ”Homoerotismo feminino e o Santo Ofício” em “Historia da vida privada no Brasil”, 1998
WEHLING, Arno “Formação do Brasil Colonial” Editora Nova Fronteira, 1999
WEHLING, Maria José C. “Formação do Brasil Colonial” Editora Nova Fronteira, 1999

4 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

o que tu e as fontes relatam é decepcionante. o trágico é o epílogo ser o que tu dizes relativamente à condição actual da mulher. o meu olhar europeu e português vê que aqui as coisas são mais subtis. de facto a mulher melhorou muito o seu estatuto de cidadania mas talvez só daqui a alguns anos haja uma verdadeira igualdade no topo da sociedade onde o poder legislativo, judicial e mesmo institucional ainda continua na mão de homens. aí uma mulher é Presidente do Brasil tal não aconteceu ainda aqui em Portugal. aqui as mulheres já são maioritarias como alunos nas universidades falta agora chegarem aos postos de decisão e fazerem à sua maneira. O poeta Louis Aragon diz num poema que a mulher é o futuro do homem, Jean Ferrat cantou essa mesma frase e eu acredito nela.

Pedrita disse...

eu gosto do livro as barbas do imperador da lilia schwartz, antropóloga da usp. ela fala um pouco dessas mulheres. estranho q hj elas ainda tentem ficar lindas e jovens pra sempre como se fosse só isso o q importasse. não evoluímos muito nesse aspecto. beijos, pedrita

Pedrita disse...

trecho de As Barbas do Imperador de Lilia Moritz Schwarcz

“Foi d. Pedro II quem, logo após o seu banimento, resolveu “doar ao Brasil” sua coleção particular e a ela deu o nome da esposa, recém-falecida no exílio: Coleção Teresa Cristina Maria. São mais de 20 mil fotos, retratos, óleos, xilografias e litografias distribuídos entre órgãos públicos da sua corte; Biblioteca Nacional, Arquivo nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e, mais tarde, no Museu Imperial de Petrópolis.”

Pedrita disse...

eu fiquei quebrando a cabeça com foto nesse período e lembrei do filme desmundo, não sei se viu. onde falam das órfãs q estavam em conventos e vinham ao brasil para casar. a igreja estava preocupada com os filhos de índios já q anos se passaram até européias virem ao brasil. lembro em uma palestra disseram q levaram 400 anos pra virem mulheres européias. e as primeiras foram as órfãs pra casar forçadas. eu adoro as barbas da lilia, mas ainda prefiro o maravilhoso a longa viagem da biblioteca dos reis. eu falei das barbas no meu blog na época q li em 2008 http://mataharie007.blogspot.com/2008/12/as-barbas-do-imperador.html